quinta-feira, 6 de maio de 2010

Rua Filinto Elísio

Uma rua em Alcântara, que entronca com a Rua Luís de Camões, a rua que leva o nome deste Árcade, de seu nome baptismal Francisco Manuel do Nascimento, "o Poeta que", como diz Almeida Garrett, "depois de Camões mais serviços fez pela Língua Portuguesa".
Descendente de fragateiros de Ílhavo, que migraram à procura, nas lides tejeiras, de melhor sustento para os filhos, nasceu em 23.Dez.1734, tendo sido registado na freguesia de S. Julião.
Revelando, desde muito novo, especial queda para as letras, foi "levado para os cânones", o que, ao tempo, garantia uma rápida ascensão social, bem se sabendo, porém, como a mui poderosa sociedade clerical de então era igualmente detentora dos vícios mais nefastos, que nem por isso afectaram o seu espírito liberal, desempoeirado, permeável às novas ideias e atento aos novos desafios, o que, como já se adivinha, lhe iria causar imensos dissabores entre os seus pares, acicatando-lhes a inveja, conduzindo-o mesmo, a meio da vida, ao encontro com o Santo Ofício, apelidado que foi de hereje, pela prática de leituras de livros perigosos...
Senhor de uma notável cultura clássica, a si próprio se impõe a inglória e denodada missão de "ensinar português aos portugueses", apostando que o dia chegará em que a "mocidade lusitana fará capricho de saber bem a sua língua..." ( :-) )
Talvez por lembrar esta sua tão singular característica, que só por si o torna num Grande Português, ao passar naquela rua que leva o seu nome, indicado secamente numa placa, sem quaisquer outras informações, pensei que esta coisa de atribuir nomes de personalidades às ruas, só teria um verdadeiro interesse se, junto às placas toponímicas se colocasse uma breve, mas essencial informação, acerca dessas pessoas que foram importantes porque contribuiram para o crescimento e valorização do país, mas de quem, infelizmente, a maior parte de nós nem nunca ouviu o nome... acabando, assim, por não ter qualquer significado esta bela ideia de dar nomes às ruas em vez de "númaros", por exemplo...
Embora este, de quem hoje trato e muito admiro, seja (era, pelo menos) bastante popular, se bem que por outros motivos , para além das letras... precisamente, por causa daquela antiga canção com que se vai bebendo, o evoca e obedece a ritual:
Filinto Elísio/ da velha França/ enche-me a pança/ deste sabor! Malditas tripas/ que não comportam/ trinta mil pipas/ deste licor! Depois, os bebedores, à vez, emborcam o copo cheio, despejam-no goela abaixo e todos os outros cantam: Primeiro atirador, atira atira/ primeiro atirador, atira atira..., até que o copo seja completamente esvaziado. O bebedor deve, então, virar o copo para baixo e mostrar que não sobrou nem uma gota. Os compinchas, entusiasmados confirmam: Mas que belo compinchão/ que bem comporta o seu quinhão! Claro, se cair uma só gota que seja, a malta reprova: Mas que mau compinchão/ que não comporta o seu quinhão! E o mal-jeitoso deve abandonar de imediato o círculo dos bebedores. Segue-se outro bebedor e outro, e outro: Segundo atirador, atira atira... Terceiro atirador... Quarto atirador... E assim, a pouco e pouco, os bebedores começam a ficar um tanto entornados e a não ser capazes de beber o seu copo até ao fim sem entornar uma gota sequer, sendo excluídos um a um até apenas restar o glorioso vencedor!... Moralidades à parte...
Poderá esta ser uma boa lembrança de alguma boa vida de paródia que Filinto Elísio não terá deixado de ter, mas é com estoutra memória do Poeta, o seu Epitáfio, por mais eloquente, que hoje vos deixo
EPITÁFIO ( DE FILINTO ELÍSIO)
*** Como todos, entrei neste universo
Sem conhecer os homens
Co eles vivi, tratei. Não fui ditoso
Que a necessária Bússola,
Com que inimigos mares se navegam
Nunca a tomei comigo.
Cuidei que a boa fé, que o termo ingénuo
Me atalhassem naufrágios.
Vate, e louvado, fui, mas sempre do óptimo
Modelo venusino
Tão distante, quanto, hoje de mim distam
Vates de anãs Nerinas.
Nem da Academia fui, que não me acharam
OS tais sabichões dignos
Dessas honras, que tanto esperdiçaram
Em membros, que ora calo.
Hoje, que entro a avistar escolhos pérfidos,
Cobertos de água mansa,
Nesse oceano da Côrte e seus subúrbios,
Lhes dou o adeus eterno.
Por três homens que vi dignos de estima,
Vi mil malvados Judas
Avarentos, filautes, vis sejanos,
Cavernas de calúnia!
Sem pesar me despeço ; e, se o previra,
Rejeitara entrar no orbe.
*** F.E.

Sem comentários:

Enviar um comentário